Apresentação:
O Sistema Geodésico Brasileiro (SGB) fornece as referências para o posicionamento de alta precisão no território nacional. Para o posicionamento vertical, a referência é dada pelas estações da Rede Altimétrica de Alta Precisão (RAAP) do SGB, denominadas Referências de Nível (RRNN) e estabelecidas desde 1945 com o método de nivelamento geométrico de alta precisão. À medida em que novas linhas de nivelamento são agregadas à RAAP e novas técnicas de medição e processamento são desenvolvidas, as altitudes de suas RRNN são periodicamente recalculadas, por meio do tradicional ajustamento por mínimos quadrados. Assim procedendo, o IBGE visa garantir a integridade, a consistência e a confiabilidade das informações divulgadas no seu Banco de Dados Geodésicos (BDG). A decisão de realizar um novo ajustamento, iniciado em 2015, teve como principal justificativa a necessidade de modernização da componente vertical do SGB, em consonância com as recomendações científicas pertinentes, notadamente a resolução da Associação Internacional de Geodésia (IAG) sobre o Sistema Internacional de Referência para Altitudes (IHRS/IHRF). Além disso, também foi decisivo para o início do novo ajustamento altimétrico o grande aprimoramento da cobertura gravimétrica do Território Brasileiro, conduzido pelo IBGE e por outras instituições. Com isso, pela primeira vez, os usuários do SGB terão à sua disposição altitudes com significado físico rigoroso.
Metodologia:
A fim de alcançar este objetivo, foram considerados os valores da gravidade nas RRNN, para conversão dos desníveis observados em diferenças de geopotencial:
Nos ajustamentos anteriores (IBGE, 2011), ainda não havia a possibilidade dessa conversão, em função da ausência de suficientes observações gravimétricas. Assim, apenas a correção do efeito sistemático do não paralelismo das superfícies equipotenciais foi aplicada aos desníveis considerados naqueles ajustamentos, resultando em altitudes ortométricas-normais (ou normais-ortométricas). Maiores detalhes estão disponíveis no relatório do REALT-2018.
Para análise e processamento de toda a RAAP, foram seguidas as seguintes etapas:
- depuração dos dados brutos de nivelamento (desníveis e distâncias das seções) através de análise temporal de seções reniveladas, identificação das linhas internodais e fechamento de circuitos de toda a rede;
- análise e depuração do arquivo de coordenadas planimétricas das RRNN;
- ajustamento preliminar da rede internodal para análise e depuração;
- ajustamento preliminar da RAAP considerando a subdivisão da rede em blocos estabelecidos no software GHOST;
- interpolação dos valores de gravidade das RRNN não gravimetradas pelo IBGE. Neste processo, foram utilizados 106 mil pontos de gravimetria como base para a interpolação, tanto oriundos de levantamentos realizados pelo IBGE, como cedidos por outras Instituições;
- cálculo dos números geopotenciais referentes aos Data de Imbituba (RN 4X) e Santana (RN 9329T);
- cálculo das diferenças de geopotencial de toda a RAAP;
- ajustamento das diferenças de geopotencial do bloco principal, vinculado ao Datum de Imbituba;
- ajustamento das diferenças de geopotencial dos trechos e/ou linhas eliminadas durante o processo de depuração, vinculados ao Datum de Imbituba;
- ajustamento das diferenças de geopotencial da Rede Altimétrica no Amapá, vinculado ao Datum de Santana;
- ajustamento do bloco principal com a correção normal-ortométrica; e
- conversão dos números geopotenciais ajustados em altitudes normais.
Resultados:
A qualidade dos resultados individuais do bloco principal pode ser avaliada mediante a padronização dos resíduos em função das distâncias. Na Figura 1, observa-se a distribuição dos resíduos padronizados (erros relativos) do REALT-2018, constatando-se os seguintes subtotais de seções:
- 92,7% sofreram correções na faixa de +/–1mm(K)1/2 ,
- 98,0% de +/–2mm(K)1/2 ,
- 99,1% de +/–3mm(K)1/2 , e
- 99,5% de +/–4mm(K)1/2 .
Figura 1 – Erros relativos dos desníveis após ajustamento do bloco principal do REALT-2018
Em termos absolutos, a avaliação da qualidade dos resultados do REALT-2018 pode ser feita com base nos desvios-padrão dos números geopotenciais ajustados, apresentados na Figura 2. Observa-se que 55445 desses valores, ou 87,5%, situam-se no intervalo 6cm~10cm. No entanto, o aspecto mais relevante é a consistência na conformação das isolinhas de precisão nessa figura, refletindo a homogeneidade da propagação das incertezas pela rede a partir do Datum de Imbituba.
Figura 2 – Desvios-padrão dos números geopotenciais ajustados
A avaliação do impacto das novas altitudes sobre os usuários do SGB constitui parte essencial no processo de qualificação do REALT-2018. Na Figura 3, observa-se que as altitudes normais de aproximadamente 50 mil RRNN (76%) diferem de +20cm a +30cm das altitudes ortométricas-normais vigentes no BDG até julho de 2018, em grande parte das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Já na região Sul, a variação em uma faixa diferente de valores, entre -5cm e +20cm, deve-se à proximidade em relação ao Datum de Imbituba.
Figura 3 – Diferenças entre as altitudes normais do REALT-2018 e as altitudes ortométricas-normais vigentes no BDG até julho/2018
A comparação das altitudes normais do REALT-2018 com as altitudes ortométricas-normais obtidas com os mesmos dados e geometria de rede permite isolar os efeitos da inserção da gravidade real. Com a Figura 4, conclui-se que 94% das RRNN apresentam diferenças entre +5mm e -15mm.
Figura 4 – Diferenças entre as altitudes normais do bloco principal do REALT-2018 e as altitudes ortométricas-normais calculadas com a mesma rede
Conclui-se que a inserção de novos parâmetros proporcionou o cálculo de altitudes com significado físico mais rigoroso e preparou a rede para as ações futuras preconizadas pelo SIRGAS sobre a unificação do sistema altimétrico das Américas. Cabe ressaltar que as diferenças constatadas entre as novas altitudes normais e as altitudes vigentes no BDG até julho de 2018 ocorrem, em grande parte, pela inserção de novas linhas e pelo processo de depuração da rede, que ocasionou uma geometria diferente para o ajustamento. Esta influência é significativamente maior do que a decorrente da utilização de diferenças de geopotencial e conversão dos valores finais ajustados em altitudes normais.
As novas altitudes normais mantêm-se referidas aos data altimétricos atualmente vigentes no Brasil, Imbituba e Santana, ambos definidos, em cada caso, a partir de um único valor do NMM calculado com dados coletados em uma única estação maregráfica. Visando a substituição destes referenciais locais e nacionais por sistemas definidos e realizados em âmbito global, estão sendo realizados estudos para a definição do chamado Sistema Internacional de Referência para Altitudes (IHRS, International Height Reference System) e a respectiva realização (materialização) global (IHRF, International Height Reference Frame). Inicialmente, estão sendo selecionadas estações de rastreio contínuo GNSS vinculadas às respectivas redes verticais de cada país e que possuam adequada densificação gravimétrica em raios pré-estabelecidos. O Brasil vem contribuindo, neste primeiro momento, com 6 estações pertencentes à Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS (RBMC), e está direcionando seus esforços para fornecer a adequada densificação gravimétrica pré-estabelecida, bem como a conexão de cada estação à RAAP. As estações pré-selecionadas no Brasil foram: Imbituba (SC), Presidente Prudente (SP), Cuiabá (MT), Marabá (PA), Fortaleza (CE) e Brasília (DF). Assim, vislumbra-se que a próxima realização da componente vertical do SGB, em alguns anos, já seja referida ao IHRS/IHRF.